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Celso Álvarez Cáccamo

Sim, mas, que Pergunta prefere a Língua?

13:20 03/06/2009

O novo Secretário Geral de Política Linguística, Anxo Lorenzo, declarou em mais duma ocasião que “O principal problema [do Velho Decreto sobre o galego no ensino] é que non está apoiado por todas as forzas políticas” (Encontro Digital em La Voz de Galicia, 29 de maio de 2009), ou que “El bipartido aprobó un decreto sin el acuerdo del PP” (entrevista em EL PAÍS, 23 de maio de 2009).  Frente a outras opiniões de Lorenzo, esta parece uma avaliação transparentemente política, não técnica (sociolinguística), porque não se sustém numa interpretação das relações entre a conduta dum partido (o apoio do PP ao Velho Decreto esvaeceu-se no último minuto) e a posição (apoio ou apatia) que a massa social votante desse partido possa suster. Como sociolinguista, Lorenzo não poderá acreditar que o PP estava enganado a respeito da posição da sua massa social votante durante meses de gestação do Velho Decreto, nem, muito menos, que esta posição do eleitorado do PP mudasse coletiva e radicalmente num dia.

Imaginemos agora que Anxo Lorenzo consegue reunir consenso partidário sobre um Novo Decreto que reduza a presença do galego no ensino a um 33%, com um 15% de ensino em inglês, e uma percentagem variável (mas nunca inferior à do galego) para o espanhol. Imaginemos que BNG e PSOE aceitam esta formulação, ora por íntimo convencimento, ora por possibilismo, como “mal menor” num sentido linguístico ou noutro (nunca se sabe). Porém, durante meses do ano académico 2009-2010, sindicatos, algum professorado e algumas mães e pais de estudantes constatam que nem a Conselharia de Educação nem a sua Secretaria Geral de Política Linguística fazem um esforço comprometido pola aplicação do Velho Decreto, ainda vigorado, como prometido por Lorenzo: em muitos centros não se faz cumprir, e nem sequer se chega ao 33% de galego pensado para o Novo Decreto. Simultaneamente, pais e mães de estudantes protestam vigorosa e mediaticamente porque o Novo Decreto, com uma presença do galego ainda mais amputada, em absoluto garantirá o “direito a viver em galego” dos seus filhos. Em 2010, no último minuto, BNG e PSOE retiram o seu apoio ao Novo Decreto, sob a justificação de que, vistas as cousas, não fiam em que o PP se vaia comprometer nem aos mínimos consensuados. Mas o decreto é aprovado em solitário polo PP. De novo, a “normalización” não tem o apoio de “todas” as forças.

Demitiria-se então Lorenzo nesta situação (só aparentemente) inversa da atual, polo fracasso de não ter obtido o máximo consenso político? Ou continuaria no cargo porque compreenderia (ou lembraria do seu conhecimento sobre sociolinguística) que, em matéria de língua(s), o “apoio” social (da gente) a uma dada política, interpretada sobre as suas declarações, opiniões, votações e outros inquéritos, é altamente variável, contraditório e indeterminado, e que a maior parte das vezes nem reflexão ou posição definida sobre o particular há?

Ou, sem ir tão longe, demitiria-se Lorenzo caso a oferta de consenso do 33% não fosse aceite polo BNG-PSOE?  No caso de Lorenzo não se demitir, então a sua avaliação política negativa do Velho Decreto teria sido também técnica, não puramente política: na realidade, o Velho Decreto oferecia mais presença do galego no ensino do que o próprio Lorenzo pensa que a gente “prefere”. Por isso, para os manifestos ideólogos nacionalistas da língua, perguntar agora aos pais que língua preferem é um risco, porque pode refletir o verdadeiro rosto do país. Mas para um não manifesto ideólogo da língua, como é um sociolinguista positivo (“galeguista” não “nacionalista”, como matiza numa entrevista), esta consulta é necessária para confirmar as suas hipóteses e portanto para justificar a sua posição de partida: a gente não quer mais de 33%.

Não afirmo que este seja o caso. Bem poderia resultar que Lorenzo ache que o Velho Decreto era tecnicamente correto e até melhor em termos “normalizadores” e pedagógicos, mas não ousa dizê-lo. Nesse caso, deverá ter poderosas razões se agora compromete essas convições ao seu esforço de procurar o consenso sobre uma alternativa que seja substancialmente diferente da anterior. O lógico seria procurar reconduzir o PP (uma vez que este já obteve rédito eleitoral do confronto) ao caminho do Velho Decreto, com leves alterações cosméticas, que, aliás, talvez ainda dessem mais rédito ao PP como, mais uma vez, gestor do “consenso” (parece que só sob o seu mandato se “consensuam” as cousas). Afinal, Lorenzo declara ser partidariamente independente, e os efeitos eleitorais colaterais da sua “responsabilidade” profissional (como afirmou) e do seu compromisso deveriam estar por acima da verdade dos dados sociolinguísticos.

Em qualquer caso, vários resultados são possíveis, e isto é assim porque a questão de base é constante e transparente: Nem o Velho nem o Novo Decreto se atêm ao genuíno princípio de sentido comum do que é a “normalização” duma língua. Ambos os dous partem dum Plano Xeral de Normalización da Lingua Galega unânime mas não normalizador, no qual ambos decretos podem colher; mas nenhum deles emanou nem vai emanar dum princípio naturalizador básico como seria “O galego (ou português) é a língua do sistema educativo”, e a partir daí vamos falar. Esse alvo da hegemonia do galego é a orientação necessária, embora não suficiente, para qualquer política normalizadora. As ideologias linguísticas quotidianas, as que se expressam de maneiras complexas também no quadrinho riscado dum inquérito sobre preferências linguísticas, são algo muito diferente e muito distante, até em natureza, e mesmo as mais variadas destas ideologias podem ter lugar numa sociedade cujo sistema educativo se regisse pola lógica hegemonia da língua do país.

Claro que é legítimo consultar sobre preferências linguísticas, ou sobre beberagens favoritas de verão. Mas quando os partidos dominantes (que não são “todos”) entram no paradoxal jogo das percentagens de “normalización”, disque sustentadas empiricamente, surgem polo menos duas opções. Uma é negarmos a maior e denunciarmos criticamente o despropósito dirigido. Uma outra, não incompatível, é exercermos o máximo escrutínio técnico sobre o Processo e sobre a Pergunta.

Uma Pergunta possível, claro, seria: “Prefere que a sua filha ou filho estude as Matemáticas e a Filosofia em galego ou em castelhano? / ¿Prefiere que su hija o hijo estudie las Matemáticas y la Filosofía en castellano o en gallego?”.

Resultados muito diferentes obteria estoutra: “Se a sociedade galega, os poderes económicos e as instituições garantissem de vez que a sua filha ou filho não fosse discriminada de muitas maneiras por falar galego, por escrevê-lo claramente bem, e por ser mais lista em galego, gostaria que recebesse um ensino público, gratuíto, igualitário e de qualidade na língua galega (que, a pouco que o veja, é a mesma língua que o português), excepto as matérias para aprender outras línguas, e que portanto cessasse a sustida miragem de que para viver menos mal há que falar espanhol, a custo duma analfabetização maciça e duma enorme e absurda renúncia histórica coletiva”?

    Sou um bocado cínico, mas calculo que a Pergunta não vai ser a segunda. Ela nem sequer está na mente dos normalizadores.  O assunto é mais importante: está em jogo a Sociolinguíst-- digooo, a Lingua.

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Celso Álvarez Cáccamo

Celso Alvarez Cáccamo naceu en Vigo en 1958. É profesor de Lingüística na Universidade da Coruña. Esta é a súa web. »



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