Cando só queda un día para a proclamación das Obras Mestras do patrimonio oral e inmaterial da humanidade por parte da Unesco, falamos sobre o noso patrimonio común con Álvaro Campelo, director do Centro de Antropoloxía de Porto, e asesor do dossier sobre a Candidatura de Patrimonio Inmaterial Galego-Portugués. "Ponte... nas Ondas!" solicitou a súa colaboración desde o comezo, como responsábel do desenvolvemento e estudo dos contidos referentes a Portugal. Campelo remarca que o traballo realizado só o comezo dun proceso "do que apenas albiscamos o inicio".
VIEIROS: En que consiste esa cosmovisión particular galego-portuguesa?
ÁLVARO CAMPELO Por razões históricas e ecológicas, na parte Noroeste da Península Ibérica a experiência social, concretizada em experiências materiais e espirituais, resultou numa tradição oral rica e variada. Sendo impossível falar de uma identidade colectiva para esta região, não o é falar de um conjunto de tradições que são o cúmulo de experiências partilhadas ao longo dos tempos, e que constituem a nossa cultura imaterial. A particularidade desta cultura está tanto no facto de algumas das suas expressões terem aqui nascido e desenvolvido (partindo depois para uma vasta diáspora), como na capacidade que esta região teve de assimilar e preservar no tempo tradições comuns a outras regiões e que só aqui adquirem a relevância e significado que lhes atribuímos. A relação do homem com um espaço ecológico tão particular e a força com que esta relação penetrou nos sistemas produtivos e simbólicos desta região justificam que possamos falar de algo comum entre a Galiza e o Norte de Portugal: a variedade de festividades relacionadas com o ciclo agrário e litúrgico; as linguagens agremiais semelhantes; as cantigas e as danças; os sistemas comunais de propriedade; o mundo do lendário e do fantástico que se preservou numa língua comum.
Como podemos conservar o noso patrimonio intanxíbel fóra da filantropía dos museos?
O principal objectivo da candidatura é comunicar às pessoas que este é um património vivo e ainda presente nas nossas comunidades. Apesar das dificuldades colocadas pelas mutações sociais e económicas decorridas no último século, existe um património a conhecer, a valorizar e a comunicar às novas gerações como fazendo parte da nossa memória comum. Enquanto memória ele não é algo de passado e objecto de observação passiva, mas algo que se apresenta com capacidade para renovar a nossa história comum, ou seja, que tenha a capacidade de ser significativo e actuante numa sociedade moderna e urbana, como cada vez mais é a nossa. Pelo facto de ter a maior parte da sua origem no mundo rural, isso não significa que não tenha um saber e um valor actual para o desenvolvimento das nossas comunidades. Os museus são convidados, dentro da missão actual que a nova museologia lhes atribui, a serem também eles instituições de estudo e de promoção deste património. Não no sentido de o conservar em gavetas, mas no sentido de nesse património encontrar os sentidos e as vivências que fundamentem a cultura material que expõem, ao mesmo tempo que fornecem o espaço físico e o ambiente académico para transpor esse património para o futuro das novas gerações.
Galiza e o norte de Portugal comparten contradicións sociais e culturais...
A familiaridade é para o bem e para o mal. Periféricos, ao contrário de outras regiões, conseguimos criar e conservar experiências e vivências particulares e extremamente ricas, mas, ao mesmo tempo, ficamos limitados noutros âmbitos do desenvolvimento, seja ele social, económico ou cultural. A prevalência do modelo agrário e a marginalização fomentada pelos poderes centrais, obrigaram milhares dos nossos concidadãos a emigrar ou a prevalecerem em situações económicas difíceis. Elevados, por vezes, à categoria de «resguardos» morais de um país, ficamos prisioneiros de um tradicionalismo que se confundia com uma verdade originária provinciana.
Como fuximos entón do tradicionalismo?
O olhar que hoje pretendemos para o nosso património não permite saudosismos nem conservacionismos. Obriga-nos sim a descobrir a capacidade de inovação e de criação das comunidades que habitaram e habitam este território. Num mundo com novas formas de organizar o conhecimento, com novos poderes emergentes, devemos fundar o saber e inovar o conhecimento num património que encerra formas extraordinárias de conhecer a natureza, de valorizar o homem, de exprimir artisticamente um mundo simbólico sempre crítico e paradoxal.
Conservar o patrimonio inmaterial dun xeito interactivo, ¿non esixe tamén someter a reivindicación á análise do propio patrimonio?
É verdade que esta candidatura e o seu objectivo só têm sentido se entendermos o património de uma forma diferente (muito diferente!) daquela que usualmente é assumida. Desde o património que se herda e se deve conservar (na base do seu sentido original), ao património que se sente, se partilha e se recria, o importante é conceber o património criticamente como algo não resolvido ou imposto pelo passado, e por isso carregado de um valor mítico imutável. Trata-se de um conjunto de experiências sociais que são a memória de uma comunidade e que se concretizam em dados materiais e espirituais. Uma experiência deve ser comunidade enquanto experiência histórica e deve ser partilhada enquanto reinterpretação criadora e inovadora. Só assim a memória tem sentido e é fundamental a uma comunidade! Cabe às comunidades seleccionar o património que as renove, lhes forneça sentido num determinado momento da sua história. A preservação do património só tem sentido enquanto ela permite a uma comunidade encontrar na sua memória soluções e experiências que afirmem um saber experimentado.
Até que punto a conservación do patrimonio que non se ve pasa polo éxito da candidatura de Galiza e o norte de Portugal?
O êxito da candidatura pode ser medido em duas vertentes:
1. Ver a candidatura aprovada e, assim, ter a possibilidade de uma maior visibilidade deste património a nível mundial. Por outro lado a aprovação, quer queiramos quer não, responsabiliza os poderes políticos, ao mesmo tempo que dá uma valorização institucional que fomenta o orgulho dos actores sociais detentores deste património. Um outro aspecto da aprovação é fazer com este património passe também a ser pertença da humanidade. Os valores e a riqueza presentes neste património, ao serem partilhados com o resto da humanidade, são um contributo para o desenvolvimento colectivo.
2. A não aprovação da candidatura pode colocar alguns problemas, não tanto porque não exista na sociedade Galega e portuguesa a vontade de fomentar o estudo e as vivências deste património. O que pode acontecer é não existir por parte dos poderes instituídos o empenho necessário. Creio, no entanto, que este não é um grande risco, pois este património permaneceu para além dos poderes e das vontades dos políticos. Haja a consciência do seu valor e as próprias comunidades se encarregam de o valorizar e inovar.
Como especialista en antropoloxía aplicada, e tamén como civil, ¿como lle explicaría que é o patrimonio intanxíbel galego-portugués aos cidadáns galegos que descoñecen a súa dimensión?
É toda a experiência acumulada pelos nossos antepassados, no campo do saber material (artesanato, tecnologias agrárias e marítimas, arte) e espiritual (mundo simbólico, lendário, religioso e social), que informou as suas vivências, no trabalho e no lazer, na arte e no religioso, e que ainda hoje são imprescindíveis para se compreender os sentidos do quotidiano. Este património imaterial marca a nossa existência colectiva, os nossos sistemas produtivos e a construção do nosso futuro.
Habería xeito de achegar as culturas galega e portuguesa sen actitudes de indiferencia nin acusacións de deturpación?
A experiência da equipa de trabalho mostrou que era possível trabalhar sem qualquer tipo de indiferença ou mal entendido. Por vezes alguns meios de comunicação levantavam esta questão, que, a dado momento, se tornou totalmente incompreensível para os que participavam nos trabalhos. Se há algo que já é um resultado positivo desta candidatura, isso é o espírito de fraternidade de mútuo conhecimento proporcionados por esta experiência. Quanto mais nos conhecemos e nos descobrimos, mais fácil será ultrapassar as diferenças que ao longo da história construíram para nos separar.
Aposta vostede por unha filoloxía clínica ou pensa que non é posíbel, como din algúns académicos, "impugnar a historia"?
Independentemente da aceitação de qualquer proposta científica ou linguística, acredito que assim como a história fez o que fez, ela terá novamente a possibilidade de ser actuante e transformadora.