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Vieiros de meu Perfil


Ernesto Vázquez Souza

Doomesday Book

14:12 24/03/2010

Ô ver que en Cambre, ou Andeiro,
Ou n-os dous destritos xuntos
Viciños d’outro turreiro
Traguiam o cimiteiro
Á enterrar os seus difuntos
Acorda o Auntamento,
(non poño n-esto nin quito)
Ditar este ordenamento:
“Terán solo enterramento
Os que vivam no destrito.”
    J. Pérez Ballesteros, Foguetes, A Cruña, A. Martínez, 1888.

Havia tempo, reconheço, que pretendia androminar-vos alegórico com uma de emigrantes, uma que tocasse tangencialmente a questão nacional, econômica e histórica da nossa organização territorial e, portanto a lógica cultural, política e psicológica que subjaz na nossa teima e apreço pelos cantonalismos e tribalismos e no fundo a radical e complexíssima rede de redes (confederação Celtic style) que nos domina e que nos faz refratários ao modelo nacional à francesa e ao territorial à espanhola.

Mas como me via adormecendo-vos antes de chegardes ao terceiro parágrafo e abandonando muito antes da conclusão, após me acusardes alguns mesmo de falsário e mistificador nacional, deixo melhor advertido que o conto não vai de ideologias quanto de paróquias e que qualquer semelhança com a realidade histórica deve ser apenas coincidência pelo bem andar da caricatura.

Há uns quantos anos, Antón Garcia Antón, galego mambi de saudosa memória e um desses mestres gratuitos que se topam na vida, contou-me, numa cervejaria no Paseo Marti da Havana, não longe da mole marmórea que é o Centro Galego (e que para mim e por estar lá, daria de o re-comprarmos algum dia para isso, um excelente, soberano e retranqueiro local do Parlamento da Galiza), um conto sobre o Juízo final e a Ressurreição da carne. Ele era algo como isto:

“Chegado o dia, acaba-se o mundo, os mortos volvem à vida, e os Santos formam-nos por nações do seu padroado para ver de entrarem os mais pelas portas do último Céu, e os que não para o Inferno. Passados os primeiros momentos de caos, eis que a cousa vai-se organizando e movimentando-se toda aquela imensa maré de gentes.

Mas nisto, era-lhes de ver o rebúmbio que montavam nas chairas celestes alguns de todos os acentos, cores e tamanhos, ao se negarem a se agrupar pelas nações dos livros e a se reunirem vindos de todas as fileiras como massa dispersa num recanto, a debaterem animadamente e celebrando encontros entre eles e quem era de onde e se vinha sendo ou não.

Ante tanta balbúrdia o mesmo São Pedro tem de se achegar ao grupo multiforme e pedir explicações pelo seu comportamento, e mas antes de lhes poder falar já uma grande quantidade de homens e mulheres, sem parar de se rir e brigar entre eles, apresentam-se-lhe diante e dizem-lhe respeitososos que - para não ter que chegar a preito - e como delegados cada um da gente da sua comarca (e alguma paróquia e clã que vão por livre) que não concordam com a organização e expõem que queriam falar com o Senhor Santiago e Santo André, e que se entendera melhor São Pedro com eles para lhe explicarem as cousas, e os erros; que a eles nada lhes ia com esses papéis derrocadeiros e fileiras de nações...

Que eles os uns eram de Arçua, outros da Límia, Chantada, Bergantinhos, Deza, Neira, Meira, Morraço, Lemos, Trives, Sárria, Soneira, Viana, Verim... os outros de São Miguel da Valga, São Jurjo de Moeche, Santa Mª de Víncios, Lamelhe, Castro, de Roris em Armentom ou São Gião de Lóbios... (por dizer uns quantos apenas dos que lá se diziam e porque o leitor ponha cá nas reticências os lugares e memória dos seus) e que nada tinha a ver onde os nasceram ou foram ao acaso enterrados.

E que de qualquer jeito não se mexiam, que isso de irem uns ao céu e outro ao inferno não era possível que os de cada paróquia tinham de ir juntos para o mesmo lugar; e ainda havia que ver que aqueles do fundo tinham ainda pendente ir ao de Teixido.”

A moraleja da estória era a conversa com a cerveja fresquinha. Mas a explicação chegou um par de dias depois quando, numa visita inesquecível guiada pelo Antón e em companha de Xosé Mª Dobarro, ao Centro, pasmei com um quarto com as secretarias fechadas e independentes em armarinhos cinzentos, cada uma com a sua placa e chave própria, dos diferentes coletivos que conformaram um dia a poderosa Instituição da Coletividade.

Anos depois enxerguei também in situ que essa mesma base organizativa em debate estava presente e explicava além de qualquer debate ideológico as diversas Instituições galegas no Uruguai e na Argentina. E por qualquer uma parte do mundo, mesmo na Espanha, penso, deste jeito complexo, e anterior aos romanos, imos nos organizando.
 
Menos na Terra, claro, que aí o territorial fixado é o da Espanha e a idéia de nação que há que calçar é a da França.

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(A Crunha, 1970) Da Academia Galega da Língua portuguesa, Doutor em Filologia Hispânica (secção de Galego Português), especialista em história do impresso galego na etapa contemporânea. Tem focado os seus contributos arredor do movimento das Irmandades da Fala, a figura de Angel Casal e o mundo do livro galego. Trabalha como bibliotecário na Universidade de Valladolid.
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